14/09/2025
"Toda vida que tinha eleição, o pessoal vinha dizendo que nós íamos ter direito, que iam conseguir os papéis da casa própria. (...) E nada da gente receber o papel", narra a diarista Irisneide Cândido. Ela vive há 27 anos na mesma casa, na comunidade Francisco Ivo, no bairro Luciano Cavalcante, em Fortaleza, mas não possuía o documento que reconhece o direito legal ao próprio lar — o "papel da casa".
Em setembro de 2024, foi marcada uma reunião, em uma escola municipal da região, com os moradores da Francisco Ivo. De lá, Irisneide saiu com o "título de legitimação fundiária", entregue como se fosse o sonhado "papel da casa". "Mas a gente não ficou acreditando muito, não", lembra.
Os moradores da comunidade Francisco Ivo não foram os únicos a receber o "título de legitimação fundiária". O mesmo documento foi entregue, entre os meses de agosto e setembro do ano passado, em outras oito comunidades de Fortaleza pela gestão do ex-prefeito José Sarto (PDT).
E, assim como no caso de Irisneide, também teve quem desconfiasse da validade destes títulos. "Quando eu peguei o documento, eu virei a página e vi que era assinado pelo secretário. Eu detectei que o documento era falso, porque um documento que é de cartório, o secretário da habitação não assina", conta o gerente de Recursos Humanos, José Rocha.
Ele é morador do Planalto Vitória, no bairro Canidezinho, desde 2002, quando se mudou com a família para a comunidade. A casa onde viveu com os pais e a irmã foi dividida e, desde 2018, ele tem o próprio espaço no mesmo terreno no qual os familiares vivem. José lembra o dia em que recebeu o documento, em evento na "quadra lotada" de uma escola municipal, e da sensação ao ver o que tinha recebido. "Quando eu peguei, eu já vi logo: isso aqui não é o 'papel da casa'. (...) A gente se sentiu feito de palhaço".
Agora, o Ministério Público do Ceará (MPCE) apura o episódio, por entender que "a emissão dos referidos títulos se deu de forma irregular", conforme indica despacho, de julho deste ano, assinado pelo promotor de Justiça Marcelo Yuri Moreira Martins, da 2ª Promotoria de Justiça de Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação.
Foram instaurados nove procedimentos administrativos em Promotorias de Justiça especializadas em Conflitos Fundiários e Defesa da Habitação. Cada um deles será responsável pela apuração de uma das comunidades afetadas. São elas: Dom Lustosa, Conjunto Palmeiras II, Planalto Vitória, Aracapé, Santa Edwirges, Jardim América, Cidade de Deus, Novo Jardim Castelão e Francisco Ivo.
Também foi instaurado procedimento na esfera eleitoral, já que as entregas dos títulos foram realizadas durante a campanha eleitoral de 2024, quando Sarto era candidato à reeleição para a Prefeitura de Fortaleza.
Fonte: Diário do Nordeste